A pedagogia da 2ª série D
ou, como um ambiente aconchegante com uma boa professora e uma ferramenta de pesquisa condicionaram minha formação.
Crescendo no bairro Iririú eu tinha poderia ter feito o ensino fundamental no Padre Valente Simeone , mas não, estudei na Escola Municipal Prefeito Max Colin, localizada aos pés da banda leste do Morro da Boa Vista. Passei oito anos da minha vida passei naquela escola, naquele espaço. Isso só me faz pensar na importância do ambiente escolar para o desenvolvimento da criança. São nos espaços escolares que se desenvolve a prática pedagógica e sendo assim, ele pode construir um espaço de possibilidades e limites.
Hoje, professor, quando entro em uma escola, meus olhos são capturados pela paisagem. Meus sentidos se aguçam, quero sentir o cheiro do ambiente, os sons que vem de fora, o vento que bate. Em minha mente, me vem trechos de textos sobre a importância do ambiente enquanto espaço de possibilidades pedagógicas, Paulo Freire e tudo mais. Sou tomado por memórias em uma sala de aula específica, afinal de contas, nenhuma série foi tão marcante quanto a segunda. Era 2002, o Max Colin era uma escola grande, mas esse ano não foi suficiente.
O Max funcionava da seguinte maneira: dois turnos, no matutino de 1ª a 4ª série e vespertino de 5ª a 8ª, tendo cada série três turmas nomeadas como A, B e C, mas em 2002 não foi assim, tiveram que abrir uma quarta turma de segunda série, a “2ª D”, a minha turma. Como não havia mais salas disponíveis, a escola improvisou uma que ficava retirada dos blocos de salas.
Como havia dito, minha escola ficava aos pés do morro, no último lote da última rua, ou seja, era tanto vizinho como fazia fundos com a mata, talvez até fosse mais correto dizer que a escola ficava na canela, não nos pés do Morro da Boa Vista, tanto que seu terreno era dividido em dois níveis. Na parte inferior ficavam os blocos de salas de aula e administrativas, a biblioteca, o pátio coberto onde ficava a cozinha e um grande pátio de brita, já no segundo nível ficavam as quadras de areia e a quadra poliesportiva coberta, onde a própria inclinação do morro foi utilizada para fazer uma grande arquibancada descoberta. A arquibancada escalava o morro e ao final dela havia duas salas, uma utilizada pelo Grupo Escoteiro que leva o nome da escola e uma outra, mais para o canto, bem no encontro dos muros que davam para o mato, ali fica a 2ª série “D”.
Estudávamos, portanto, numa sala privilegiada pela sua posição, uma sala pequena e aconchegante, com mesas coletivas como no jardim de infância (únicas na escola, que utilizava carteiras individuais), uma pequena biblioteca com espaço de leitura aos fundos, onde havia um tapete com almofadas, e, tão importante quanto tudo isso, era um local onde os únicos ruídos eram de crianças se divertindo na quadra e os sons que a natureza produz durante a manhã, nada de gritos de professoras ou turmas bagunceiras.
O ambiente físico, a sua estrutura e as significações simbólicas determinam, em grande parte, as experiências das crianças, seu aprendizado e desenvolvimento, nesse quesito nossa sala da segunda série era exemplo, é nesse ano ímpar residem minhas melhores lembranças escolares.
Pra coroar esse ambiente, uma profissional excelente. A professora Vanessa era um amor de pessoa, uma escoteira bem expressiva, tinha uma corporalidade na comunicação fantástica. Pedagoga recém-formada, proporciona um banho de experiências didáticas prazerosas, Baden Powell, fundador do escotismo, ficaria orgulhoso. O método de ensino através do aprender fazendo, utilizando os materiais disponíveis de forma criativa, era trazido para sala de aula pela professora em sua didática. Lembro de produzir marionetes em sala para apresentar no teatro a cantiga “festa no céu” encenada no vaso de uma planta que ficava no corredor de entrada da escola, tudo escolhido com protagonismo pela equipe e com o incentivo e aval da professora.
Uma boa professora, num espaço aconchegante, adequado e expansível para além das paredes; livre e em contato com a natureza. Para tornar aquele ano ainda mais marcante, só mesmo o maior espetáculo da terra, na minha humilde e futebolística opinião. Era 2002 e estava acontecendo a Copa do Mundo de Futebol Masculino da Coreia do Sul e Japão, a primeira que lembro de assistir.
Cada aluno da sala recebeu um país participante para pesquisar algumas informações e desenhar sua bandeira, fiquei com a Irlanda. As perguntas eram sobre os aspectos políticos e geográficos do país e entre as perguntas continham algumas interpretadas pelo Rodrigo com 8 anos como impossíveis de se responder. Como alguém saberia o tamanho de um país? Ou sua população? Como alguém consegue contar ou medir algo assim?
Trouxemos esse trabalho para fazer em casa, perguntei pra minha mãe se ela sabia alguma daquelas respostas e respondendo negativamente, me aconselhou a ligar pro meu primo Júnior, caso ele estivesse em casa deveria perguntar se eu poderia ir até lá para fazer a pesquisa. Após a afirmação positiva por telefone, fui até sua casa.
Chegando lá, fomos fazer a pesquisa. O Junior me perguntou qual país era, respondi que era sobre a Irlanda. Então, procurou a letra I na coleção Barsa e começamos o questionário. É difícil expressar o tamanho da minha surpresa ao ter todas as perguntas respondidas. Aquilo realmente me fascinou. Até hoje lembro de perguntar “Quais os países vizinhos?” e ele responder na lata “Reino Unido”.
A partir daquele dia eu percebi que qualquer dúvida que eu tivesse, qualquer informação que me fosse passada, qualquer curiosidade que eu tivesse poderia ser respondida se eu fosse atrás pesquisar. Não precisava mais achar algo, eu poderia saber. Não precisava mais aceitar prontamente toda informação, eu poderia pesquisar sobre o assunto e saber se era verdade ou não, muito menos precisava ficar com alguma dúvida, com certeza alguém já escreveu ela. Até adquiri uma coleção Barsa anos depois, mesmo obsoleta, só pelo simbolismo que ela tem.
Na manhã seguinte, quando as turmas se organizaram no pátio para entrar, comentei com meu amigo Willian sobre minha pesquisa, eu estava orgulhoso de ter respondido tudo e de ter descoberto um lugar onde todas as respostas poderiam ser encontradas. Ele me disse que seu pai procurou na internet, eu não sabia o que era aquilo, deveria ser mais uma coisa que gente com dinheiro sobrando tinha em casa. Subimos em fila pra nossa sala ainda envolta pelo friozinho da mata e fomos desenhar a bandeira. “Reino Unido” pensava eu enquanto pintava “não sabia que ainda existiam reinos”.